quinta-feira, 24 de julho de 2014

Considerando o mesmo assunto

(este texto visava uma argumentação filosófica as questões colocadas pelo juiz que declarou que a Umbanda e o Candomblé não são religiões - a polêmica já terminou mas acho útil acrescentar essas linhas)

Primeiramente, eu faço uma abordagem filosófica acerca do que é religião.  Donde se originam as religiões e a enorme dependência do homo sapiens em relação a elas. Baseio-me na obra do filósofo francês Edgar Morin.

As religiões constam em todas as culturas de massa. Religião, mito e magia foram acontecendo no imaginário humano, na medida em que ele precisava de respostas as suas questões existenciais, principalmente quanto a irrupção consciente da morte, como fato consumado.

E rituais fúnebres, assim como quaisquer outras celebrações (aniversários, bodas, colação de grau, formaturas) todas servem para dar sentido as nossas vidas, tão carentes do mesmo.

2) A afirmação de que a Umbanda e o Candomblé não possuem um "Manual de Bordo", como por exemplo, a Bíblia (para os cristãos) também não é justa porquê são religiões que provem de culturas sem palavra escrita. Existem os Itan-Ifá, mas as tradições, rezas e rituais são baseados na oralidade, nos segredos (awô) passados de pais para filhos e na ancestralidade.

3) Existe hierarquia sim. Os Babalorixás e Iyalorixás, ou Pai de Santo ou Mãe de Santo. Os Filhos e Filhas de Santo, os Ogãs, as Equedes, o Pai Pequeno e a Mãe Pequena, além de muitos outros cargos e funções.

No Candomblé, existe sim, um deus supremo. Chama-se Olorum, nome que pode desdobrar-se em outros. Olodunmare, Obatalá, Oxalá. Na Umbanda, onde houve predomínio da língua Bantu, o deus supremo chama-se Zambi.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Considerações gerais sobre o livro " Exu Pede Passagem"

Considerações gerais sobre o livro " Exu Pede Passagem"

Mara Martins Passos

Bem, agora que estou às vésperas de apresentar a 2a edição (ou 2a impressão revisada), gostaria de mudar um pouco o ângulo através do qual escrevi as primeiras linhas do meu blog.
Vou fazer a apresentação da segunda impressão do livro no NEINB - "Núcleo de estudos interdisciplinares do negro brasileiro", na Universidade de São Paulo.

Depois que defendi meu Mestrado na PUC, resolvi que tentaria lançar o livro no mercado com, praticamente, o mesmo conteúdo da tese. Sempre acreditei que seria muito importante que muitas pessoas lessem meu livro.

Só agora, depois de alguns anos, é que consigo enxergar com muita clareza, o tamanho do vespeiro aonde eu resolvi colocar a mão. Começou, assim, com alguns comentários desairosos Só agora consigo ver, aterrada, as incríveis proporções que um preconceito pode assumir..Um preconceito, isto é, uma ideia preconcebida e sem nenhuma justificativa, jamais poderia ter imaginado.

Exu é um belíssimo exemplo. Bem, tentei desfazer uma injustiça, tão grave quanto condenar à morte uma pessoa por um crime que ela não cometeu. A injustiça com a qual foi tratado este orixá do Panteão Africano, foi enorme, assustadora, brutal.

Começou (comigo) por parte de onde eu menos esperava: minha própria família. Não meu marido, meus filhos, que são pessoas cultas e bem informadas, mas meus pais, meu irmão. E depois, quantos conhecidos sorriram ao ver o livro, mas jamais o leram.
Meu sobrinho Alex, quando perguntou a meu irmão qual era o nome do livro que eu havia escrito, este, desdenhosamente, respondeu: "Sei lá. Acho que é "Vai pro diabo que te carregue". Minha mãe, passou a quase não falar comigo. E, pasmem! – um dia dei de presente a meu pai um quadro com a litografia de minha avó (já falecida), mãe de meu pai. Soube, depois da morte de minha mãe, que ela, praticamente, quase obrigara meu pai a quebrar o quadro e jogá-lo fora, porque, tendo vindo de mim, só podia ser uma coisa "enfeitiçada".

Imagine, alguém que escreve um livro sobre Exu! Que horror! Até onde um preconceito pode ir! Claro que nem todas as pessoas são assim. As mais bem informadas, as que conhecem o assunto ao menos um pouco, as mais esclarecidas digamos assim, aceitaram, leram o livro todo e, para compensar, ouvi muitos elogios também.

As religiões – todas elas, são construções antropológicas. Como concluiu, de maneira absolutamente adequada, o Professor Edgar Morin (antropólogo, sociólogo e filósofo francês, que completou 90 anos no último 8 de julho de 2011):
"A novidade que o homo sapiens traz ao mundo não está, portanto, (conforme se havia pensado), na sociedade, na técnica, na lógica, na cultura. Encontra-se, por outro lado, naquilo que até o presente fora considerado epifenomenal ou ridiculamente considerado indício de espiritualidade: na sepultura e na pintura.

Os mais antigos túmulos que conhecemos são neandertalenses. Essas sepulturas nos indicam bem mais e algo muito diferente do que um simples enterro para proteger os vivos da decomposição (o cadáver poderia ser, para esse efeito, abandonado ao longo ou lançado no mar). O morto encontra-se numa posição fetal (o que sugere uma crença na sua renascença), por vezes até deitado numa cama de flores, conforme o indicam os vestígios de pólen numa sepultura neandertalense descoberta no Iraque (o que sugere uma cerimônia fúnebre); os
ossos, por vezes, estão pincelados""com ocre (o que sugere um funeral após consumo canibalesco, seja um segundo funeral após decomposição do cadáver);há pedras que protegem os despojos e, mais tarde, armas e alimento acompanham o morto (o que sugere a sobrevivência do morto sob forma de espectro corporal com as mesmas necessidades dos vivos.)

A hipótese de que houvesse crença na renascença do morto ou sobrevivência sob forma de espectro corporal (duplo) vem do fato de que essas são as duas crenças fundamentais da humanidade no que se refere ao além, de que elas se encontram, seja misturadas, seja separadas, em todas as sociedades arcaicas conhecidas e de que constituem as bases de todas as crenças ulteriores (Morin,1972).

A hipótese das cerimônias funerárias também é conhecida por sua universalidade, sob tais formas, nas populações arcaicas.

Aquilo que a sepultura neandertalense testemunha não é somente uma irrupção da morte na vida humana, mas também modificações antropológicas que permitiram e provocaram essa irrupção.

1) Uma nova consciência.
Para começar, incontestavelmente, um progresso do conhecimento objetivo. A morte não só; e reconhecida como fato, conforme a reconhecem os animais (que, além do mais, já são capazes de se "fazerem de mortos" para enganar o inimigo), não é somente sentida como perda, desaparecimento, lesão irreparável (coisas que o macaco, o elefante, o cão, o pássaro podem sentir), a morte também é concebida como transformação de um estado em outro estado.
Além disso, a morte, provavelmente, já é pensada, não, é certo, como uma "lei" da natureza, mas sim como uma sujeição quase inevitável que pesa sobre todos os vivos.
De todos os modos, seja pela presença dos mortos ou pela presença da morte, fora de seu acontecimento imediato, já se pode detectar no homem de Neandertal um pensamento que não é totalmente investido no ato presente, o que significa que se pode detectar a presença do tempo no seio da consciência. A associação de uma consciência de transformações, de uma consciência de sujeições, de uma consciência do tempo já indica no sapiens a emergência de um grau mais complexo e de uma nova qualidade do conhecimento consciente.

2. O Mito e a Magia
Com a consciência realista da transformação, a crença de que essa transformação resulta numa outra vida na qual se mantém a identidade do transformado (renascimento ou sobrevivência do "duplo") indica-nos que o imaginário irrompe na percepção do real e que o mito irrompe na visão do mundo. A partir de então, ambos passariam a ser, ao mesmo tempo, os produtos e os co- produtores do destino humano.

Ao mesmo tempo em que a sepultura nos assinala a presença e a força do mito, os funerais, na realidade, são ritos que contribuem para operar a passagem para a outra vida de modo conveniente, isto é, protegendo os vivos da irritação do morto (de onde, talvez, já o culto dos mortos) e da decomposição da morte (de onde, talvez, já o luto que isola os parentes do defunto). Assim, é todo um aparelho mitológico mágico que emerge no sapiens e se encontra mobilizado para enfrentar a morte.
3. Brecha Antropológica

Tudo nos indica, portanto, que a consciência da morte que emerge no sapiens é constituída pela interação de uma consciência objetiva que reconhece a mortalidade e de uma consciência subjetiva que afirma senão a imortalidade, pelo menos uma trans mortalidade. Os ritos da morte exprimem, reabsorvem e exorcizam, ao mesmo tempo, um trauma que provoca a ideia de aniquilamento. Os funerais – e isto em todas as sociedades sapientais conhecidas – traduzem, ao mesmo tempo, uma crise e uma ultrapassagem desa crise, por um lado, a dilaceração e a angústia, por outro lado, a esperança e a consolação. Tudo nos indica, por conseguinte, que o homo sapiens é atingido pela morte como se por uma catástrofe irremediável, que ele vai levar em si uma ansiedade específica, a angústia ou o horror da morte, que a presença da morte se torna um problema vivo, isto é, que afeta sua vida. tudo nos indica, igualmente, que esse homem não só recusa essa morte, mas também que a rejeita, que a vence e que a soluciona no mito e na magia.

Ora, o que é profundo e fundamental não é apenas a coexistência dessas duas consciências,' é sim, sua união turva numa dupla consciência; ainda que a combinação entre essas duas consciências seja muito variável segundo os indivíduos e as sociedades (bem como a impregnação da vida pela morte, nenhuma anula verdadeiramente a outra e tudo se passa como se o homem fosse um simulador sincero com respeito a si próprio, um histérico segundo a antiga definição clínica`, transformando em sintomas objetivos aquilo que provém de sua perturbação subjetiva." (Edgar Morin, 1972, Zahar Editores. Rio de Janeiro)...."com o sapiens esboça-se, pois, a dualidade do indivíduo e do objeto, elo inseparável, ruptura intransponível, que, depois, de mil maneiras, todas as religiões e filosofias tentariam transpor ou aprofundar". (Morin, 1972, O Enigma do Homem).

Se prestarmos bastante atenção a este texto do Prof. Morin, deduziremos então que, muito provavelmente, toda e qualquer construção religiosa advém do fato de que o homo sapiens não aceita, de forma alguma, a morte, como fato consumado. Claro que esta declaração é sujeita a polêmicas, certamente muitos não concordarão com ela. Mas eu gostaria de aproveitar a brecha, para dizer que eu mesma, Mara, não pretendo de forma alguma, ser a “dona” da Verdade, no seu sentido mais abrangente e filosófico. Eu não sei, nem poderia saber, qual é a verdade que rege o mundo. Para mim, as duas versões podem – ou não – ser verdadeiras. Tanto é possível que nós não sejamos quase nada, isto é, um grão de areia dentro da imensidão do Universo, e que, após a morte não haverá nenhuma espécie de outra vida, como também é possível que não seja assim. É possível – por que não? – que exista algo que neste mundo não podemos ver com nossos olhos mortais. Que exista outro tipo de vida, reencarnação, paraíso, universos paralelos, qualquer coisa. Acredito que ninguém pode afirmar nada. Nem que não existe nem que existe. Mesmo porque, ninguém, até agora, não voltou para contar. A não ser entre os espíritas Kardecistas ou os umbandistas, que acreditam que os espíritos de pessoas já mortas, possam voltar, seja incorporando-se no corpo de alguém vivo, seja através da psicofonia ou psicografia. Acho pouco provável, mas pode ser. Quem sou eu para saber?

Bem, portanto, o que eu gostaria de deixar claro aos leitores é que eu não tenho uma religião específica (embora meu inconsciente seja católico), mas ao mesmo tempo considero o estudo das religiões algo extremamente fascinante do ponto de vista antropológico.

Não existe, no mundo, nenhuma cultura, nenhum agrupamento de seres humanos, que não possua uma religião. Todas possuem. O que, de certa forma, confirma a tese de Morin. Ninguém aceita a morte como o fim de tudo. E nem poderíamos, não? São as religiões que proporcionam às pessoas um significado para a vida. Que dão algum sentido ao que quer que seja. Afinal, vivendo num mundo com tanta biodiversidade, vendo coisas tão lindas e ao mesmo tempo outras, tão cruéis, nascendo sem nenhum mapa de bordo no bolso, sem nenhum “manual de instruções”, ao menos uma bula, um pequeno “Guia Fácil” – aliás nascemos sem nenhuma roupa, portanto sem possibilidade de bolsos, é natural que precisemos de algo que nos ensine, que oriente, que nos diga o que é correto ou não, nos diga que existem deuses, anjos, divindades, fadas, elfos, ou então um único Deus (no caso das religiões monoteístas) que nos ajudam, nos protegem, nos guardem um lugarzinho no além (de preferência bem localizado), e também um belo Manual de Instruções. Este pode ser a Bíblia, o Alcorão, o Torah, os livros dos Upanixades e dos Vedas, o livro sagrado do Budismo, o Cânon Pali. Ou, no caso das culturas sem escrita, de conselhos e explicações dos antepassados sobre como é ou o porque disto ou daquilo. Não faltam histórias, lindas, mitos – e por outro lado explicações científicas, teorias de físicos e astrônomos – para nos explicarem tudo o que nos rodeia e, principalmente, para explicar quem somos, donde viemos e para onde vamos, se é que vamos para algum lugar.

Eu quis colocar este prólogo – na falta de um termo mais adequado – para que os leitores possam entender a enorme relatividade existente entre as religiões, como também entre nossos conceitos éticos, morais e filosóficos.

Cada cultura, cada agrupamento de pessoas, possui sua própria religião e seus próprios códigos. E não é difícil deduzir que, cada grupo, com sua religião, considere que esta é a melhor e mais verdadeira do que todas as outras. Não vou citar exemplos, primeiro para não ferir a sensibilidade de ninguém e segundo, porque tenho a certeza de que todos vocês conhecem milhares de exemplos.

O Brasil foi “descoberto” no ano de 1500. Aqui nas Américas, viviam milhares de etnias indígenas, cada qual com suas crenças, hábitos e religiões. Detenhamo-nos no Brasil. Ele foi colonizado pelos portugueses, que eram brancos e cristãos, ou melhor dizendo, católicos. Estes, obviamente, acreditavam que sua religião era a única verdadeira e que as dos índios daqui, não passavam de tolices e superstições, coisas de “selvagens”. Então começou uma intensa tentativa de impor aos índios a religião cristã. “O que aconteceu então, a partir de 1500, foi a formação de várias religiões, combinando crenças e costumes dos vários povos ameríndios com os dos brancos portugueses, católicos e, posteriormente, com os vários povos africanos trazidos para o Brasil como escravos, entre os séculos XVI e XIX” (Gaspar, 1997: sem paginação).

Confirmando com Eneida Duarte Gaspar, “o povo que mais contribuiu para a formação religiosa brasileira foi, evidentemente, o português. Trouxe, não o Cristianismo Protestante – como os ingleses e holandeses, por exemplo – mas uma forma típica de Catolicismo Popular que se revelou a posteriori, fundamental na construção do imaginário religioso brasileiro. Durante sua expansão através da Europa, o Cristianismo absorveu parte das crenças e costumes dos povos das diversas regiões onde passava. Assim, além de já trazer em sua bagagem muitos valores greco-romanos, o Catolicismo enriqueceu-se com crenças de outros povos, latinos ou orientais, anglo-saxões, germânicos ou eslavos.

Durante a Idade Média solidificou-se um Catolicismo Popular, trazido depois pelos jesuítas para o Brasil. A romanização veio bem mais tarde mas... aquele Catolicismo Popular, do Brasil Colônia, já estava por demais enraizado para ceder a qualquer tentativa de romanização. Os mártires e santos canonizados, assumiram contornos diferentes com características de alguns deuses e espíritos protetores de certos locais da Europa, o que depois propiciou no Brasil para que houvesse um aproveitamento, por parte dos negros e dos índios, na composição de uma religião popular muito rica e complexa.” (Gaspar, 1997: sem paginação).

Sendo assim, em face de grande dificuldade encontrada pelo português no sentido de escravizar os índios, começou então por volta do século XVI, o tráfico de escravos africanos para o Brasil.

Ora, dadas estas condições todas, podemos dizer o seguinte: num regime escravocrata, é permitido que as pessoas que possuem dinheiro possam comprar os escravos ou escravas que desejarem. Mas estas pessoas compram apenas os corpos dos escravos, nunca suas almas, suas personalidades, suas crenças e convicções. Para os escravos africanos era muito mais difícil sobreviver aqui do que para os índios. Afinal os índios estavam em suas terras, falavam suas línguas e não queriam de modo algum submeter-se aos brancos.

Para os escravos africanos, a situação era bem mais difícil. Não tinham outra alternativa a não ser obedecer às ordens de seus senhores. Estavam longe de sua terra natal, de seu meio biogeográfico, não conheciam carrinhos para fugir, não tinham muitas vezes sequer com quem conversar. Não havia saída. O jeito era submeter-se. Mas havia algo que era muito seu e muito precioso: suas crenças religiosas.

Embora houvesse perseguição, por parte dos brancos, também nesse sentido, eles sempre davam um jeito de continuar venerando seus orixás, seja através da sincretização, seja através de rituais escondidos, mas muitas vezes, tolerados.

O que eu gostaria aqui de deixar muito claro é que as religiões, todas, nada mais são do que uma interpretação do mundo que nos cerca. Em filosofia, usa-se o termo apreensão fenomênica de mundo. O homo sapiens possuía uma enorme necessidade de decifrar o mundo. Sem isso, a vida não teria significado. Foram então construindo-se as religiões, cada uma à sua maneira, de acordo com as regiões do planeta, de acordo com crenças preexistentes, de acordo com o clima, enfim de acordo com uma miríade de fatos que as influenciaram.

Resumindo um pouco, podemos dizer que: a grande maioria das religiões interpretam fundamentalmente o mundo de acordo com uma ética, uma apreensão que divide, cinde o mundo em dois pilares: o Bem e o Mal. Na verdade, se pensarmos bem, é uma maneira mais fácil de dividir o mundo, a vida e todas as coisas que ela contém. Simples. O que é bom, provém de Deus (ou deuses bons) e o que é mau, provém dos demônios (ou dos maus demônios).

Todavia, há – ao menos uma – exceção: a religião dos orixás. Os orixás são divindades dialéticas. Carregam em si os dois opostos: o Bem e o Mal. Talvez no Iaoísmo seja assim também. O que, se refletirmos bem, é algo muito mais complicado. Dividir o mundo em Bem e Mal, ou em Deus e o Diabo, é muito mais fácil. Mas decifrá-lo dentro de uma filosofia dialética é algo evidentemente muito mais difícil e requer um grau muito maior de sofisticação. Esta explicação pouquíssimas pessoas conhecem; estes conhecimentos me foram confiados por José Tadeu de Paula Ribas, o Falagbe Esutumbimi, já falecido. Grande e profundo estudioso do assunto, e ele traduziu muitos e longos trechos dos Itan-Ifá e conseguiu chegar a esta brilhante conclusão. Assim como também a antropóloga argentina Juana Elbein dos Santos, autora do livro “Os Nagô e a Morte”, tese de doutorado que defendeu na Sorboune.
Não é fácil – nem o foi para mim – entender o que é dialética. Precisei ler livros a respeito. Agora eu entendo, mas eu creio que, para os leitores, em vez de tentar explicar profundamente o que é dialética, eu sugeriria que lessem, em meu livro o texto que coloquei dos antropólogos René Girard “A Violência e o Sagrado”, aonde ele narra sucintamente que, antes da erradicação da varíola, claro, em algumas aldeias africanas observou-se o seguinte:

Quando havia, em alguma aldeia, uma epidemia de varíola (que pode ser uma doença mortal), colocavam todas as pessoas contaminadas em uma grande casa, para que elas não transmitissem a doença a outros. Elas ficavam ali, alimentavam-se ali e ali ficavam, até sararem ou até morrerem. Então, vejam que coisa interessante: colocavam, para tomar conta do portão principal – para que ninguém fugisse – um indivíduo que – já tivera e não morrera.

Por quê? Porque este indivíduo assumira parte da essência do deus, uma vez que percorrera suas duas polaridades: a da doença e a da cura. Então, tal indivíduo era o mais indicado porque, tendo percorrido as duas polaridades, ele assumira parta da essência do deus.
Bem, creio que com este exemplo fica um pouco mais fácil entender o que é dialética. De modo que eu lhes pergunto: numa religião onde todas as divindades são dialéticas, será que pode existir o Diabo? Claro que não! Não existe ninguém que encarne só o mal numa religião como uma apreensão fenomênica do mundo tão dialética.

Como Exu é o primeiro a ser chamado no Xirê, por ser o mais importante, os escravos, ao fazerem seus rituais, chamavam-no e logo começavam a entrar em transe. Para os brancos, que não tinham ideia do que era transe, aquilo parecia mais um “frenesi endemoninhado”, pois interpretavam o transe dos orixás, de acordo com seus próprios códigos de decifração religiosa de mundo. Quer dizer, a confusão já começou aí.

Outro fato colaborou também para que se agravasse essa “confusão”. Os negros escravizados desejavam muito poder voltar à África. Como Exu é, entre outras coisas, o orixá dos caminhos, pediam a ele, em orações, que ele os ajudasse a voltar para lá. Isto era bastante comum e os brancos perceberam isso. Notavam a insistência com que eles invocavam o nome Esù e o fervor com que o faziam. Então começaram a espalhar, entre os escravos, de que Esù era um dos nomes de Satanás e que eles não estavam invocando um Deus e sim, o próprio demônio.

Naturalmente, existiram outros diversos fatores que contribuíram para que esta ideia se concretasse, como por exemplo, Exu ser representado às vezes, como um deus fálico. Sim, porque ele rege também a sexualidade que, na religião dos orixás, é vista como algo absolutamente natural, diferente, pois, dos valores católicos, que enfatizam a castidade e meio que deixam “passar” a ideia de que o sexo é, de certa forma, algo ligado ao demônio.
Segundo Tadeu de Paula Ribas, Esù já está presente na primeira encruzilhada de nossa vida: o útero materno. É Exu quem decide para que lado o espermatozoide (que vai dar origem a outro ser) vai.

Estas e certamente outras ideias, foram concretando a ligação – Exu x Diabo. Se, aos europeus, a religião dos orixás já era malvista – coisa de selvagens, de pessoas ignorantes – o fato de ter um “demônio” tão presente (nas orações, cantigas e rituais) ajudava bastante.

Para explicar resumidamente, lembremo-nos de que, no começo do século passado a Umbanda foi codificada. Era socialmente muito necessário que assim fosse. E a Umbanda – que se desenvolveu a partir do centro-leste do Brasil, aonde houve maior predomínio de escravos Bantu – é muito mais permeável do que o Candomblé, ela assimilou (a profundidade disto é imensa) muitos dos valores cristãos e do espiritismo Kardecista, que se formou “em cima” do cristianismo. A Umbanda está hoje bem mais difundida do que o Candomblé, atinge um número maior de pessoas, talvez também porque, ela é, de certa forma, “semelhante” ao Catolicismo, em vários aspectos.

Ela cinde, sim, o mundo em Bem e Mal. Os guias e orixás da “direita” não tem quase mais nada a ver com os orixás africanos. Iansã virou Santa Bárbara, Ogum virou São Jorge e assim por diante. Tanto que vou falar “Ogum me proteja” ou “São Jorge me proteja” é absolutamente a mesma coisa. As linhas de guias que a Umbanda também incorporou, também segue o mesmo caminho. Os pretos velhos, as crianças, os caboclos – todos têm um aspecto de espíritos essencialmente “bons”.

Agora, aonde fica o “outro lado” do mundo espiritual? Os demônios, os criminosos, as prostitutas, as mulheres de “má vida”? Ora, na esquerda, claro. Bem, explico isso detalhadamente em meu livro. Mas a esquerda é o lado da Umbanda totalmente ligado ao Mal, ao conflituoso, ao desprezível. São desprezíveis, mas também são cultuados. Em todo Centro de Umbanda existe – do lado de fora do templo – uma pequena “casinha” onde ficam os guias da esquerda. Lá são colocados imagens, velas pretas ou vermelhas, aguardente, cigarros e até mesmo flores. Em alguns faz-se (como na antiga religião dos orixás), no começo de cada sessão, uma referência, uma louvação, a Exu.

Mas, de qualquer forma, eles ficam sempre do “lado de fora”, porque são marginais, porque guardam em seu âmago, algo essencialmente “mau”.

Contudo, conforme explico no livro, é comum haver, em alguns centros, uma certa confusão. Em alguns, existem os guias “traçados” com a esquerda. Ou, existe também, a Umbandomblé. Isto é perfeitamente compreensível, pois a religião dos orixás percorreu caminhos muitos difíceis.

Todavia, hoje elas estão estabelecidas. Não há mais proibições, como em anos atrás; no Brasil existe aquilo a que chamamos “liberdade religiosa”. Muitas pessoas hoje frequentam Centros de Umbanda ou até mesmo de Candomblé.

Hoje, ano de 2011, já não são tão malvistos. Centros de Candomblé mais preservados – como por exemplo, o de Mãe Sílvia de Oxalá – são muito raros.

Sei, como disse no começo, que meti minha mão num “vespeiro”. Todavia, não me arrependo disto, de forma alguma. As vespas picaram minha mão, mas não doeu tanto assim. Tentei ajudar aos afrodescendentes a compreender melhor a religião de seus antepassados. Tentei também dar um exemplo “brasileiro” daquilo que Carl Jung chamou de Sombra. Exu foi um bom exemplo. Gostaria muito que os analistas junguianos lessem o livro. Modéstia e preconceitos a parte, acho que o livro ficou muito bom.

Se prestarmos bastante atenção a este texto do Prof. Morin, deduziremos então que, muito provavelmente, toda e qualquer construção religiosa advém do fato de que o homo sapiens não aceita, de forma alguma, a morte, como fato consumado. Claro que esta declaração é sujeita a polêmicas, certamente muitos não concordarão com ela. Mas eu gostaria de aproveitar a brecha, para dizer que eu mesma, Mara, não pretendo de forma alguma, ser a “dona” da Verdade, no seu sentido mais abrangente e filosófico. Eu não sei, nem poderia saber, qual é a verdade que rege o mundo. Para mim, as duas versões podem – ou não – ser verdadeiras. Tanto é possível que nós não sejamos quase nada, isto é, um grão de areia dentro da imensidão do Universo, e que, após a morte não haverá nenhuma espécie de outra vida, como também é possível que não seja assim. É possível – por que não? – que exista algo que neste mundo não podemos ver com nossos olhos mortais. Que exista outro tipo de vida, reencarnação, paraíso, universos paralelos, qualquer coisa. Acredito que ninguém pode afirmar nada. Nem que não existe nem que existe. Mesmo porque, ninguém, até agora, não voltou para contar. A não ser entre os espíritas Kardecistas ou os umbandistas, que acreditam que os espíritos de pessoas já mortas, possam voltar, seja incorporando-se no corpo de alguém vivo, seja através da psicofonia ou psicografia. Acho pouco provável, mas pode ser. Quem sou eu para saber?

Resumindo um pouco, podemos dizer que: a grande maioria das religiões interpretam fundamentalmente o mundo de acordo com uma ética, uma apreensão que divide, cinde o mundo em dois pilares: o Bem e o Mal. Na verdade, se pensarmos bem, é uma maneira mais fácil de dividir o mundo, a vida e todas as coisas que ela contém. Simples. O que é bom, provém de Deus (ou deuses bons) e o que é mau, provém dos demônios (ou dos maus demônios).
Todavia, há – ao menos uma – exceção: a religião dos orixás. Os orixás são divindades dialéticas. Carregam em si os dois opostos: o Bem e o Mal. Talvez no Iaoísmo seja assim também. O que, se refletirmos bem, é algo muito mais complicado. Dividir o mundo em Bem e Mal, ou em Deus e o Diabo, é muito mais fácil. Mas decifrá-lo dentro de uma filosofia dialética é algo evidentemente muito mais difícil e requer um grau muito maior de sofisticação. Esta explicação pouquíssimas pessoas conhecem; estes conhecimentos me foram confiados por José Tadeu de Paula Ribas, o Falagbe Esutumbimi, já falecido. Grande e profundo estudioso do assunto, e ele traduziu muitos e longos trechos dos Itan-Ifá e conseguiu chegar a esta brilhante conclusão. Assim como também a antropóloga argentina Juana Elbein dos Santos, autora do livro “Os Nagô e a Morte”, tese de doutorado que defendeu na Sorboune.

Não é fácil – nem o foi para mim – entender o que é dialética. Precisei ler livros a respeito. Agora eu entendo, mas eu creio que, para os leitores, em vez de tentar explicar profundamente o que é dialética, eu sugeriria que lessem, em meu livro o texto que coloquei dos antropólogos René Girard “A Violência e o Sagrado”, aonde ele narra sucintamente que, antes da erradicação da varíola, claro, em algumas aldeias africanas observou-se o seguinte: quando havia, em alguma aldeia, uma epidemia de varíola (que pode ser uma doença mortal), colocavam todas as pessoas contaminadas em uma grande casa, para que elas não transmitissem a doença a outros. Elas ficavam ali, alimentavam-se ali e ali ficavam, até sararem ou até morrerem. Então, vejam que coisa interessante: colocavam, para tomar conta do portão principal – para que ninguém fugisse – um indivíduo que – já tivera e não morrera.

Por quê? Porque este indivíduo assumira parte da essência do deus, uma vez que percorrera suas duas polaridades: a da doença e a da cura. Então, tal indivíduo era o mais indicado porque, tendo percorrido as duas polaridades, ele assumira parta da essência do deus.

Bem, creio que com este exemplo fica um pouco mais fácil entender o que é dialética. De modo que eu lhes pergunto: numa religião onde todas as divindades são dialéticas, será que pode existir o Diabo? Claro que não! Não existe ninguém que encarne só o mal numa religião como uma apreensão sistêmica de mundo tão dialética.

Como Exu é o primeiro a ser chamado no Xirê, por ser o mais importante, os escravos, ao fazerem seus rituais, chamavam-no e logo começavam a entrar em transe. Para os brancos, que não tinham ideia do que era transe, aquilo parecia mais um “frenesi endemoninhado”, pois interpretavam o transe dos orixás, de acordo com seus próprios códigos de decifração religiosa de mundo. Quer dizer, a confusão já começou aí.

Outro fato colaborou também para que se agravasse essa “confusão”. Os negros escravizados desejavam muito poder voltar à África. Como Exu é, entre outras coisas, o orixá dos caminhos, pediam a ele, em orações, que ele os ajudasse a voltar para lá. Isto era bastante comum e os brancos perceberam isso. Notavam a insistência com que eles invocavam o nome Esù e o fervor com que o faziam. Então começaram a espalhar, entre os escravos, de que Esù era um dos nomes de Satanás e que eles não estavam invocando um Deus e sim, o próprio demônio. Naturalmente, existiram outros diversos fatores que contribuíram para que esta ideia se concretasse, como por exemplo, Exu ser representado às vezes, como um deus fálico. Sim, porque ele rege também a sexualidade que, na religião dos orixás, é vista como algo absolutamente natural, diferente, pois, dos valores católicos, que enfatizam a castidade e meio que deixam “passar” a ideia de que o sexo é, de certa forma, algo ligado ao demônio.

Segundo Tadeu de Paula Ribas, Esù já está presente na primeira encruzilhada de nossa vida: o útero materno. É Exu quem decide para que lado o espermatozoide (que vai dar origem a outro ser) vai.

Estas e certamente outras ideias, foram concretando a ligação – Exu x Diabo. Se, aos europeus, a religião dos orixás já era malvista – coisa de selvagens, de pessoas ignorantes – o fato de ter um “demônio” tão presente (nas orações, cantigas e rituais) ajudava bastante.

Para explicar resumidamente, lembremo-nos de que, no começo do século passado a Umbanda foi codificada. Era socialmente muito necessário que assim fosse. E a Umbanda – que se desenvolveu a partir do centro-leste do Brasil, aonde houve maior predomínio de escravos Bantu – é muito mais permeável do que o Candomblé, ela assimilou (a profundidade disto é imensa) muitos dos valores cristãos e do espiritismo Kardecista, que se formou “em cima” do cristianismo. A Umbanda está hoje bem mais difundida do que o Candomblé, atinge um número maior de pessoas, talvez também porque, ela é, de certa forma, “semelhante” ao Catolicismo, em vários aspectos. Ela cinde, sim, o mundo em Bem e Mal. Os guias e orixás da “direita” não tem quase mais nada a ver com os orixás africanos. Iansã virou Santa Bárbara, Ogum virou São Jorge e assim por diante. Tanto que vou falar “Ogum me proteja” ou “São Jorge me proteja” é absolutamente a mesma coisa. As linhas de guias que a Umbanda também incorporou, também segue o mesmo caminho. Os pretos velhos, as crianças, os caboclos – todos têm um aspecto de espíritos essencialmente “bons”. Agora, aonde fica o “outro lado” do mundo espiritual? Os demônios, os criminosos, as prostitutas, as mulheres de “má vida”? Ora, na esquerda, claro. Bem, explico isso detalhadamente em meu livro. Mas a esquerda é o lado da Umbanda totalmente ligado ao Mal, ao conflituoso, ao desprezível. São desprezíveis, mas também são cultuados. Em todo Centro de Umbanda existe – do lado de fora do templo – uma pequena “casinha” onde ficam os guias da esquerda. Lá são colocados imagens, velas pretas ou vermelhas, aguardente, cigarros e até mesmo flores. Em alguns faz-se (como na antiga religião dos orixás), no começo de cada sessão, uma referência, uma louvação, a Exu.
Mas, de qualquer forma, eles ficam sempre do “lado de fora”, porque são marginais, porque guardam em seu âmago, algo essencialmente “mau”.

Contudo, conforme explico no livro, é comum haver, em alguns centros, uma certa confusão.

Em alguns, existem os guias “traçados” com a esquerda. Ou, existe também, a Umbandomblé. Isto é perfeitamente compreensível, pois a religião dos orixás percorreu caminhos muitos difíceis.

Todavia, hoje elas estão estabelecidas. Não há mais proibições, como em anos atrás; no Brasil existe aquilo a que chamamos “liberdade religiosa”. Muitas pessoas hoje frequentam Centros de Umbanda ou até mesmo de Candomblé.
Hoje, ano de 2011, já não são tão malvistos. Centros de Candomblé mais preservados – como por exemplo, o de Mãe Sílvia de Oxalá – são muito raros.
Sei, como disse no começo, que meti minha mão num “vespeiro”. Todavia, não me arrependo disto, de forma alguma. As vespas picaram minha mão, mas não doeu tanto assim. Tentei ajudar aos afrodescendentes a compreender melhor a religião de seus antepassados. Tentei também dar um exemplo “brasileiro” daquilo que Carl Jung chamou de Sombra. Exu foi um bom exemplo. Gostaria muito que os analistas junguianos lessem o livro. Modéstia e preconceitos a parte, acho que o livro ficou muito bom.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Livro no CCSP

Aqueles que quiserem o livro emprestado ou apenas dar uma olhada, há exemplar disponível na biblioteca Sérgio Miliet, no Centro Cultural São Paulo.

Para encontrar o livro no acervo, escolha o URL http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/ depois escolha Pesquisa Avançada, aí quando aparece a página, vc seleciona

Assunto: religião
Autor: Mara Martins
Título: Exú

Com esses três itens fica mais fácil a pesquisa.
Escrevo isso porquê dentro da biblioteca do Centro Cultural São Paulo, o acesso Internet é complicado. Aqueles que tiverem interesse em ter um exemplar, consultem os outros posts desse blog.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pequena Entrevista


sobre religiões afrodescendentes


Larissa Martins da Costa Passos Moreira
1o jornalismo D
Entrevista
Professor Celso Unzelte – Jornalismo Básico
Livro promete quebrar preconceitos

Mestre em ciências da religião, Mara de Sá busca mostrar
em livro o Candomblé e a Umbanda verdadeiramente,
com a intenção de acabar com os preconceitos de uma
sociedade de maioria cristã.
Mara de Sá Martins da Costa Passos é formada em psicologia e é
mestre em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP) e em 2003 lançou o livro Exu Pede Passagem
pela Editora Terceira Margem. O livro, que já está na segunda edição,
promete desmistificar religiões afrodescendentes como Candomblé e
Umbanda para aqueles dispostos a aprender. Modesta, rejeitando ser
chamada de senhora, a escritora fala de seu objetivo humano e nos
dá uma introdução sobre o assunto.
Larissa Moreira: O que te levou a se interessar por religiões
afrodescendentes?
Mara de Sá: Desde que eu era criança, ficava revoltada com pessoas
chamando negros de forma pejorativa. Nessa época ainda não
tínhamos a palavra “afrodescendente”. Eu sabia que esse palavreado
fazia mal a eles. Queria fazer alguma coisa para ajudar a autoestima
dessas pessoas. Aí fiz minha graduação em psicologia e conseguia
entender que para nós, brancos, já é difícil construir uma autoestima,
como não deveria ser para um afrodescendente? No meu primeiro
ano eu tive aulas de antropologia e a minha professora conseguiu
fazer com que eu entendesse o racismo na sociedade.
LM: Da onde você acredita que vem a maior parte dos
preconceitos contra as religiões africanas?
MS: Bem, acredito que venha do fato do Brasil ter sido colonizado por
católicos. Os negros tinham uma “apreensão fenomênica de mundo”
diferente dos cristãos, ou seja, era mais difícil para eles assimilarem
os valores ensinados pelos padres, eles eram muito diferentes. A
maneira que encontraram de continuar “vivendo suas vidas” era com
os rituais, a chamada religião dos orixás.
LM: Qual a principal diferença dessas religiões para o
cristianismo?
MS: Para os cristãos, assim como para os judeus e os mulçumanos,
o mundo é dividido entre bem e mal. O Candomblé faz uma divisão
dialética, eles interpretam o mundo todo como algo que tanto pode
ser bom quanto pode ser mal. Por exemplo, o mesmo orixá que é
da alegria é o da tristeza. Já a Umbanda é originada no espiritismo
kardecista, mas leva no âmago muitos elementos cristãos. É como se
ela tivesse um pé no cristianismo e outro no candomblé.
LM: Qual é a sua opinião sobre a declaração do deputado de
que religiões afrodescendentes não podem realmente ser
consideradas religiões?
MS: [Risada] Ele fez uma declaração que mostra que ele não sabe
nada sobre o assunto. Foi de muita ignorância. Para começar,
ambas as religiões tem deuses supremos. No candomblé é Olorum
e na Umbanda é Zambi, podendo assumir nomes diferentes. Sobre
o “manual” que o deputado comenta, é verdade. Eles realmente
não têm palavra escrita, a tradição é oral, de pai para filho. Em
alguns lugares da África, a escrita é mal vista, porque a religião é
segredo. Ele também acredita que não há hierarquia. Claro que há.
No candomblé, é babalorixá e iyalorixá e na umbanda é pai e mãe de
santo. Além disso, na roda de santos, sempre há uma ordem para as
pessoas serem chamadas.
LM: Quais os pontos principais de seu livro?
MS: Além de falar sobre Exu, acredito que meu livro é capaz de
demostrar o que é religião e a importância que ela tem para os seres
humanos. Vejo o meu livro como capaz de desmitificar as religiões
afrodescendentes. Meu livro é uma maneira de quebrar preconceitos.
LM: Vinda de uma família de predominância católica, você
sofreu represálias quando começou a escrever o livro?
MS: Recebi sim. Minha mãe mesmo começou a achar que eu era
feiticeira. Mas eu não liguei.
LM: E da onde vem o título, Exu Pede Passagem?
MS: A expressão “Pede passagem” quer dizer licença para mostrar
quem é. Eu achei a expressão bonita. Acho que é isso que tentei
fazer com o livro, mostrar quem o Exu realmente é.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Opinião sobre o Juiz

Eu gostaria de dizer aqui, algumas palavras sobre o fato lamentável, a meu ver, sobre a decisão do juiz carioca, que disse que a Umbanda e o Candomblé não seriam propriamente religiões, pois não possuem um código de leis, ou um manual ou algo parecido, como a Bíblia ou o Alcorão, por exemplo. Por não acreditarem num Deus ou numa divindade suprema e por não possuírem um texto escrito com dogmas, rituais, leis morais, crenças e orações. O que ele disse na semana passada é algo completamente sem cabimento e demonstra que ele até pode entender muito bem de Direito, Código Civil, leis, mas não tem a menor ideia de outras áreas do conhecimento humano como Filosofia, Antropologia e até mesmo do significado das religiões e de suas prováveis origens, dentro do que poderíamos chamar, por falta de outras palavras, de Evolução Darwiniana.
Lancei um livro em 2003 , cujo nome, "Exu Pede Passagem" onde esclareço todas as dúvidas sobre as questões que o juiz colocou na arena da discussão religiosa. É como um mergulho profundo nas águas de uma crença religiosa da qual você quer observar todos os possíveis aspectos, sob todos os ângulos possíveis.